Imagem capa - Implacável. por Manuela Seabra

Implacável.

(texto retirado de "amore de todas as cores"

Imagem meramente ilustrativa)

À medida que se aproximava do local as suas passadas tornavam-se pestilentas. Não queria, de forma alguma, voltar a vê-lo - mas sabia que era obrigatório, apesar de o negar. Ele tinha escolhido o local - cirurgicamente. O mesmo sítio onde iniciaram aquela história. Maria entristeceu - tinha-se sentido, verdadeiramente, feliz; tinha amado muito; tinha-se sentido muito amada - as lágrimas deslizaram pelo seu rosto. Tinha consciência que os seus sentimentos eram filhos do vento e da tempestade - e não seria fácil lidar com eles naquela circunstância. A ansiedade consumiu-a, como sempre em momentos de tensão. Mas, por magia, algo dentro de si a fazia acalmar. Ás vezes, pensava que seria o seu anjo da guarda: preferia pensar assim. Quando se aproximou dele desejou que tudo não tivesse passado de um pesadelo. Amava-o tanto: não. Amava o homem que ele fingiu ser. Correu com aqueles pensamentos, centrou-se em si. Ele levantou-se e olhou-a. Tinha os olhos brilhantes, olheiras cavadas mas olhava-a com a mesma ternura. Deu-lhe um abraço - ela não se moveu, não podia. Não se podia perder nos braços daquele gigante. Era quando ele a abraçava que ela se sentia mais pequenina, quando se sentia mais amada, mais protegida. Mas naquele momento só se sentia enganada - dilacerada. Sentaram-se e ele começou a falar. Por momentos a cabeça dela fugiu dali, era assim que se protegia sempre. Ouvia soluços e não frases. Sabia que estava a dizer que a amava. Queria-lhe explicar o chorrilho de mentiras que lhe tinha servido - mas ela não queria ouvir. E ele sabia. Manteve-se impávida e serena.

Deixou-o falar. Não ouviu metade. Não queria ouvir. Não havia nada a fazer. Nada a perdoar. Nada perdoável. No fim disse-lhe apenas: acabou. Viu o desespero no seu rosto. Disse-lhe acreditar que, à maneira dele, a amava. Mas eram dois pontos em diferentes retas paralelas. Falou-lhe de valores, dignidade, ética - ele não sabia o que era. E ela sabia que não sabia viver sem o que ele desconhecia, disso tinha certeza, talvez a única que tinha. A confusão que as palavras dela geravam na cabeça dele eram visíveis. Ela soube ali que a Amor dele era obsessivo, mas já o sabia à algum tempo. Tinha inventado uma nova vida para não a perder. E perdeu-a. Usava as mulheres a seu belo prazer. Mas não as queria. E queria que ela entendesse - era uma conversa impossível: ela sabia. Ele não. Ele continuou, falou, falou - não queria parar de falar. Ela interrompeu-o. Pára! Queria falar da casa - ele respondeu de imediato: não saio. A noção do inferno que se aproximava começou a crescer. 

Falou em morrer, em matar. Ele ia-se transformando gradualmente e ela ia-se controlando, como estava habituada. Estava a ver o homem que todos conheciam - menos ela. Continuou serena. Deixou-o dizer todas as maledicências e fanfarronices que quis, no fim disse: tenho de ir. E iria - com todas as desculpas, com todas as ameaças, com todas as lágrimas daquilo que viveu e daquilo que ainda viveria. Ao levantar-se disse-lhe baixinho: tenho muita pena - e tinha - pois não se lembrava de história de romance algum em que alguém tivesse amado tão grande como ela amou. Ao virar costas àquele que foi um grande amor uma lágrima rasgou-lhe o rosto - e naquele instante uma dor lancinante penetrou o seu pulso - na tentativa de a parar. Ela virou-se ao som da dor e disse-lhe: pára - de forma tão gélida que ele congelou. Viu nos olhos dela, não amor, não medo, mas desprezo. Largou o seu pulso de imediato e chorou. Ela - com o coração empedernido - seguiu o seu caminho.