Não à violência!
A minha escrita é muito focada nas relações humanas. O amor entre os pares é sem dúvida o meu tema preferido; não só porque podemos escrever rios de histórias diferentes sobre ele, mas também porque, na realidade, o amor tem, encerradas em si próprio, um milhão de diferentes vertentes. Desde as diferentes formas de amar, até ao amor que parece mas não é - e a forma como , desde sempre, encaramos como normal coisas absolutamente anormais no amor: quem nunca ouviu : “entre marido e mulher não se mete a colher.”
Pois é, hoje a minha história será sobre a violência e o fim do amor - mesmo do amor próprio. Tenho ouvido imensas noticias sobre violência doméstica. Algumas sobre jovens, outras sobre adultos. Tudo isto me revolta, sendo eu uma mulher de armas e sem medo de me exprimir nesta sociedade de cordeiros pouco pensantes. Fui sempre uma inconformada nestas coisas. Incomoda-me, acima de tudo, a aceitação generalizada por uma grande parte da sociedade. A violência veio para ficar.
Hoje lia uma noticia sobre uma jovem mulher que, nesta onda de redes sociais e de faz de conta que somos amigos ( peço desde já desculpa a todos os que, sem serem meus amigos, se acham tal, por estarem numa rede social comum - nem sempre sou a rainha das simpatias - pois, na verdade, amigos são de carne e osso e para mim: Amigos são amigos. Virtualidade é virtualidade.), se aventurou a ir tomar um café com um amigo virtual e, sem saber - sem esperar - sem entender, terminou numa cama de hospital completamente brutalizada - Ato hediondo, psicótico, monstruoso por si só. Mas ainda mais assustador, mais brutal, mais psicótico, monstruoso é ler comentários de mulheres - pela distinção sexual apenas; mulher que é mulher tem amor, tem compreensão, compaixão, tem ternura nos gestos e palavras - mal amadas, amargas, que dizem “bem feito”, “não se metesse na toca do lobo”, “não se vestisse assim”. Ora bem, para essas pessoas - julgadoras, amargas, cruéis vai o meu total repúdio e tristeza. Pior que o machismo é efetivamente a falta de união e compaixão entre as mulheres!
Devo dizer a essas quantas falsas beatas, falsas moralistas que sim as pessoas têm, em qualquer lugar, de qualquer forma, agrade ou não às ditas falsas perfeitas, o direito à sua integridade física e psicológica.
Nesta minha apresentação não me vou referir aos homens que, ainda vivem no tempo das cavernas - só a esses pois existem muitos outros muito dignos e corretos - pois nem me vejo a perder tempo com tamanha ignorância.
A todas as pessoas - não só mulheres - vitimas de algum tipo de violência, revidem, lutem, peçam ajuda, saiam - e por favor - não ouçam opiniões de beatas, conservadores ou falsos moralistas.
(texto in "amore de todas as cores")
A Maria nem percebeu de onde veio aquela onda de dor, de confusão - a cara estalava de dor, mas o coração - esse estava rebentado: de desilusão, de raiva, de mágoa, de desgosto. Naqueles três segundos a sua vida passou-lhe, em retrospectiva, como um filme. E um milhão de perguntas passavam-lhe pela cabeça: quando tinha ele parado de a amar? Como ela não tinha visto esta tempestade a aproximar-se? Quem era ele? Que direito tinha de a magoar? Como não tinha percebido que amava um monstro? - sim. Esta é a história de uma guerreira, não de uma conformada. Mas a violência esconde-se por trás de muitas máscaras e artefactos - de jantares românticos, de casas recheadas de flores, de viagens paradisíacas. Naquele momento ela quis revidar, mas sabia que se o fizesse a força dele era avassaladora em relação à dela - que mania de gostar de homens grandes. E ela achava-o tão grande. Um homem grande e um grande homem. Como podia ter-se enganado tanto. Começou a pensar: os ciúmes que ela achava piada; o querer saber onde estava a toda a hora; o não querer amigo nenhum por perto; absorver toda a atenção dela para ele. Sempre tudo disfarçado com: “amor tenho saudades”; “amor não sei estar longe de ti”; “marota quero-te só para mim”. Naquele momento, sentada no canto da sala impelida pelo impacto da mão - grande, forte, sem dó - no seu rosto ( doce, virgem - nunca os seus pais lhe levantaram a mão que não fosse para atos de carinho) não conseguia disfarçar a dor, a desilusão e a raiva. As únicas palavras proferidas foram “não me toques” quando ele correu na sua direção para se desculpar. Levantou-se com os olhos rasos de água. Foi para a casa de banho tentar, de alguma forma, criar alguma normalidade naquele momento hediondo da sua vida. Olhou o seu rosto ensanguentado, inchado e tentou não olhar mais para o espelho - por vergonha, por raiva. Tudo em que ela acreditava tinha-lhe sido arrancado por aquele homem que ela tanto amou. Amou sim. Não amava mais. Sentia tanta raiva daquele homem - dela própria e da sua cegueira de amor - que as lágrimas custavam a brotar. Ele, sentado na porta da casa de banho, proferia palavras que lhe pareceram de Amor - mas qual amor? Quem ama não magoa - isso ela sabia. Sentia-se enganada. Sentia-se burra. Mas sabia quem era. Sabia o que merecia. E a decisão estava mais que tomada. Ia sair. Nunca mais olharia aquela pessoa com amor. Não conseguiria. Não ela que tanto planta o Amor. Que tanto ama. Mas sabia. Sabia que não ia ser fácil dizer-lhe. Porque o amou. Porque sonhou com ele. Porque tinha construído a sua vida em cima de um falso sonho. E, inteligente como era, sabia que ele não iria facilitar, de forma alguma a sua saida. Claro que não. E não. Quando saiu da casa de banho, ele tentou abraça-la. Ela repudiou-o e viu o ódio nos olhos dele. Ele viu, naquele momento, que tinha perdido o amor daquela mulher para sempre. Mas tentou - por pressões psicológicas - “se não fores minha não vais ser de ninguém”, ninguém te vai amar como eu”, “foi por ciúmes, fiquei cego”. Tudo serviu para se desculpar, para a tentar convencer. Cartas de Amor, Cartas de ódio, telefonemas de amor, telefonemas de ódio. Ela não conseguiu sair de casa naquele dia. Ele não a deixou. Ela não forçou. Sabia, agora, com quem estava a lidar. Agora não a conseguiria enganar nunca mais. Mas na sua cabeça já estava fora daquela casa. Longe daquele manipulador violento.
No dia seguinte, à primeira oportunidade que teve saiu. Deixou tudo para trás. A sua casa, as suas coisas, a sua vida, o seu sonho. Foram dias, meses, anos muito complicados. Ele perseguiu-a diariamente, destruiu-lhe a casa - onde ela nunca mais entrou - destruiu-lhe o carro ( várias vezes). Tentou esgana-la - um dia que conseguiu entrar na garagem onde ela guardava o carro na casa para onde foi viver - e, ela, até hoje, sabe que ele não fez mais porque sabia que ia ter que a matar, pois ela jamais voltaria para um homem daqueles, ela jamais perdoaria ou esqueceria - entendia, perfeitamente, agora, as noticias que lia de mulheres mortas pelos ex companheiros. Por várias vezes pensou que o seu fim tinha chegado. Aqueles olhos de um louco desesperado que tinha perdido, mas que, na sua cabeça pequenina, achava isso impossível. Foram dois anos de terror. Dois anos em que ela deixou de viver. Deixou de gostar de si - por ter amado tanto um monstro. Mas em que nunca olhou para trás.
Hoje, quando olha para trás e pensa em todo o terror que conseguiu superar sente-se uma Guerreira. Uma mulher que passou pelo inferno, mas nunca aceitou, nunca desistiu do seu amor próprio e nunca desistiu de acreditar em si. Aquele homem que ela tanto amou, tanto odiou. Hoje é tão só um homem pequeno - apesar de grande- que nunca será feliz, nunca será amado, nunca amará. Pois um homem que bate numa mulher não é mais do que um ser menor.