Imagem capa - O Dia em que tudo Mudou… por Manuela Seabra

O Dia em que tudo Mudou…

Manuela Seabra

Março de 2020


25 de Março de 2020 foi o dia em que tudo Mudou…

Como sempre foi meu hábito acordo cedo, estranho, não estou no meu quarto. Estou no quarto do meu filho - não tem tido um sono tranquilo (normal com esta mudança de rotinas). Levanto-me e visto-me, com alguma angústia - confesso, enquanto me dirijo à cozinha para para pegar num iogurte, na lista das compras e - na máscara e nas luvas. Sim, penso duas vezes a tentar perceber se isto é mesmo real ou se é mais uma das minhas histórias. Mas não é. E eu já não tenho prazer em ir às compras. Dirijo-me à porta, descalço as pantufas para calçar as botas que tenho lá fora. Sim porque tudo é controlado para evitar o contágio de um novo bicho que invadiu o planeta. Sim é o planeta. Não somos só nós. E aqui é outra das coisas que me faz tanta confusão - como não nos preparamos com mais tempo, se já à meses esse bicho atacava por aí. Fujo desses pensamentos. Entro no carro cedo com o desejo de não encontrar as lojas cheias de gente. Enquanto conduzo observo grupos de idosos aqui e ali, a fila do pingo doce com uma mãe e filha de mão dada e todos perto uns dos outros. Tenho vontade de gritar, de mandar as pessoas afastarem-se, mandar a mãe deixar a filha (13/14 anos ) em casa, pois já não podemos fazer as compras em família. Poder podemos tudo, mas não devemos. Uma sensação de limitação, de não poder fazer nada para alertar mais e melhor as pessoas invade-me. Isso angustia-me, sinto-o. Graças a Deus! Está pouca gente no Lidl. Gosto de comprar os legumes no Lidl. Pancada minha. E é isso que vou buscar. Legumes, fruta e azeite e saio. Entro no carro e desinfecto-me com álcool gel que tenho sempre comigo desde à uns tempos. E desinfecto-me um pouco melhor porque tenho de ir à minha sogra que está em casa para ir buscar mais álcool gel que conseguimos a muito custo arranjar - parece venda de droga. A minha sogra vem à porta ainda de roupão, não me chego a ela nem lhe dou o abraço que lhe costumo dar - não posso. Não posso pô-la em risco. Ainda por cima o meu marido teve uns sintomas - Bicho negativo - mas sei lá. Eu sou dura. Mas a minha sogra está no grupo de risco. Fique em casa! Fique em casa! Ligue se precisar! São as palavras que mais trocamos. Continuo o meu caminho e pára no talho onde  já tenho tudo encomendado e é só entrar e sair. Desinfecto-me outra vez e entro ao lado na loja do meu Primo - ainda aberta, e onde está a minha tia a atender. Preocupa-me muito que esteja ali. Falo com ela. Dou-lhe mil recomendações. Mas também não me chego a ela - logo a ela… a tia do meu coração. Regresso ao carro, volto a desinfectar me toda. Fico uns momentos a pensar em tudo. Olho para o relógio satisfeita. São 8.55 e já estou de regresso a casa. Na porta do prédio encontro a Dona Helena que faz a limpeza ao prédio. Conversamos um pouco ela na porta do prédio eu do lado oposto do carro. Recomendo-lhe muito cuidado. E mais mil e uma coisas. Preocupo-me. Se pudesse salvava toda a gente! Ouço dizerem que são poucas as mortes. Para mim todas são muitas! Mas eu importo-me. Não sei ser indiferente, não sei passar ao lado, não sei não intervir. Não sei. Nunca soube. Diz-me que posso ir de elevador que está desinfectado - respondo que nunca uso. E subo as escadas e volto a fazer o mesmo ritmo inverso da saída de casa. Tiro as botas. Ficam cá fora. Levo as coisas todas para o terraço. Dispo-me, roupa toda para lavar, pego no spray desinfetante e passo em tudo. Das compras, à chaves, ao porta moedas que é tudo o que uso para sair agora. Depois de tudo desinfectado e guardado. Limpo. Limpo tudo com lixívia- chão, moveis, puxadores, comandos. Tudo que limpei ontem à noite e ontem de manhã e que vou limpar logo à noite e amanhã de manhã. Pois os nossos dias tornaram-se muito parecidos. Tomo finalmente o meu banho desinfetante - a minha pele das mãos está seca e num momento uma lágrima ocorre-me a pensar como estarão as mãos deles - médicos, enfermeiros, bombeiros, auxiliares. E lembro - me das mãos do meu avô que tanto beijei e a lágrima cai. Eu n choro. Eu luto - penso. Sou uma guerreira!

Vou agora tratar das minhas fotografias e ler um pouco as noticias. Confesso que começo por ler o meu grupo de Bicho-19 onde tenho médicos que estão na guerra direta com este bicho. E confesso que me sinto inconformada e angustiada por saber que não estão protegidos como deviam, que não estão a ter o respeito que mereciam. Em seguida leio as noticias dos políticos (todos e são todos iguais)  e fico zangada! Verdadeiramente zangada. Mas quem são estes anormais que mentem, enganam, manipulam de cara lavada e ainda fico mais perplexa como tanta gente não vê algo tão vergonhoso. Mas é uma loucura coletiva! Ouço o Presidente dos Estados Unidos e o Presidente do Brasil e só me ocorre que este bicho já deve ter assolado a cabeça de muita gente muito antes desta Pandemia para que as pessoas se  tivessem deixado entrar numa loucura coletiva e elegessem estes seres estranhos para seus lideres. Às vezes penso que deverão ser daqueles lideres de seitas que manipulam a mente de tal maneira que as verdades passam as mentiras e que as situações mais aberrantes são aceites como boas e até fantásticas! Porra, não consigo entender!!!

Faço os meus alertas nas redes sociais. Apelo para que fiquem em casa, não por mim, mas por eles - filhos, pais, avós, irmãos, primos, tios  que são todos os doentes e todos os que tentam curar! Pois é; os médicos também são pais e filhos e avós e maridos e irmãos, e também podem ficar doentes. E os doentes não podem curar. Triste, mas real. 

Desligo-me - não vou ficar maluca com isto. Vou ao terraço apanhar sol e plantar uns bolbos que tinha para plantar. Penso no almoço - agora dou valor à minha avó. Cozinhar ao almoço e ao jantar não é tarefa que me incomode - mas pensar no que cozinhar incomoda e chateia. Sento-me. Faço uma Ementa! Ufa. Menos um problema.

10.30 - ainda dormem. Sento me na cozinha. Como uma peça de fruta. Penso na minha forma. Faço uma série de pernas muito soft - mana PT - videos top! Ligo à minha melhor amiga enquanto organizo o estudo do Diogo para a tarde. Contamos as coisas uma à outra e falamos do nosso abraço que ja faz falta. Ligo à minha avó. Dou-lhe mimo. Amo-a muito. Está isolada para sua proteção mas ligo-lhe sempre pois não quero que se sinta só. 

Organizo os desenhos do Diogo - tem desenhado muito e bem! E sento-me ao computador. Vou escrever. E escrevo. Escrever ajuda-me a compreender. Ajuda-me a recordar. Ajuda-me a viver. Amanhã vou pegar na máquina e vou fotografar tudo cá em casa - decido. Estou com muitas saudades de sair por ai de máquina na mão. Leio uns emails. Um de trabalho - boa. Pedido de um orçamento. O facto de não saber quando posso voltar a trabalhar fragiliza esse momento, mas paciência. 

12.00 vou até à cozinha começar a preparar o almoço. Ai vem o meu Pinguim - acordou. E o Paulo também! 

O dia vai começar… Sim. Agora vai começar. As rotinas, os almoços, os estudos, a bola, os amuanços dos dois - sim, andam sempre amuados um com o outro. Eles saem e eu penso. Vai começar. 

Num momento olho para tudo na esperança que tudo isto não passe de um sonho e que eu a qualquer momento acorde. Mas rapidamente sou chamada à realidade pelas imagens na tv. Mortes, infetados, gráficos, economia, caus. 

É verdade. Vai ser difícil, vai-se perder muita coisa, mas vai-se aprender também. E eu só rezo para nunca me desiludir. A mim, sim. Pois eu sou a minha maior critica e a minha maior apoiante. Neste momento fico feliz porque os meus todos estão bem. E quando falo dos meus falo de forma alargada - familia, amigos, conhecidos. Mas fico tão triste por saber que os deles não estão todos bem. E por muito que eu tente não consigo não ficar triste. 

Respiro fundo! Vamos lá ser Felizes mais um dia com Bicho ou sem Bicho. 

E o nosso dia começa às 12 da tarde num mundo diferente. 

Vamos a ele!